Iniciativa
Comentem este post e dêem-me a vossa opinião.
Um olhar de quem aqui nasceu...
Já nem vale a pena dizer nada.... para limpar aquela rua só mesmo com justiça popular.
Noticia do Jornal "i"
A Bica é o único bairro lisboeta que tem hora certa de nascimento: 11 da noite de 22 de Julho de 1597. Não, leitor, não é a data da construção da primeira casa, é o momento em que um tremor de terra provocou uma enorme derrocada de terras do lado das Chagas, que deu origem a uma parte do "vale" onde surgiu depois o bairro. A 13 de Fevereiro de 1621, 24 anos depois, outro tremor de terra provocou o desmoronamento do monte do lado de Santa Catarina e a Bica ganhou a configuração actual.
Quando se fala de terramoto em Lisboa, todos pensam imediatamente no de 1755, mas a verdade é que houve outros, nomeadamente em 1504, 1512, 1551, 1575, 1597 e 1598, de que há relatos coevos de algum detalhe, especialmente de Garcia de Resende e de Pero Ruiz Soares.
Morreu gente e foram destruídas muitas casas e a verdade é que durante muitos e muitos anos nenhum negociante abastado ou dono de brasão e sangue azul ali quis construir residência.
Desde o início do milénio que os chafarizes são outros e a zona tem vindo a coleccionar novos – e interessantes – bares. E, sobretudo, a atrair uma infinidade de artistas e executivos, trintões e quarentões, cocktail addicts e fãs das sonoridades de vanguarda.
Com a Calçada do Combro a servir de fronteira com o vizinho Bairro Alto e o centenário ascensor como referência do bairro a que dá o nome, a Rua da Bica é actualmente umas das referências da noite alfacinha. Fazemos-lhe o percurso.
Imagine-se no cimo da rua. Comece a descer. Se chegar depois das nove pode usar o trilho do eléctrico sem correr nenhum risco (a menos que use saltos altos) porque este apenas funciona das sete da manhã às nove da noite (viagens a cada dez minutos e a 1,35€). Os bares começam logo à esquerda.
Se estiver com muita sede pode logo entrar no Bicabaixo e pedir a primeira imperial da noite. Caso tenha forças para aguentar mais vinte metros a descer a colina, a próxima estação também fica à sua esquerda. Chama-se Funicular. Abriu em 2006 e é culpado por atrair muitos actores. A razão: todos os empregados se dedicam à arte de representar (DJs incluídos).
É perfeitamente natural agarrar na sua bebida e sentar-se na calçada junto à porta, mas é mais comum se ficar de pé. Quando sentir que chegou a altura de continuar, só precisa de descer dez metros. Acabou de alargar o seu leque de escolha. Tem o Bicaense à esquerda, Baliza e Bica-me à direita.
O primeiro já foi restaurante mas na passagem do milénio passou a abrir as duas salas como bar e pista de dança. É responsável pela criação de noites temáticas como as Jazz Sessions ou Afro Blue e por dar a conhecer DJs virtuosos como Johnny (Cooltrain Crew) ou Lucky.
Nos bares da frente tanto poderá beber um cocktail (Baliza) como comer umas tapas ou uma tosta (Bica-me). Se bem que tostas é coisa que não falta em nenhum dos bares da Bica. A atenção dada ao conforto do estômago é tanta que até há um brasileiro a vender hambúrgueres cuidadosamente embalados em papel aderente. São vegetarianos. Mas àquela hora sabem a pato.
Quando os ponteiros do relógio baterem nas duas da manhã e ainda estiver em algum destes bares prepare-se para ser expulso. Todos fecham a porta a essa hora, religiosamente. Mas não desespere. Desça um pouco mais até à Travessa da Laranjeira. Vire à direita e suba até encontrar o Pai Tirano à sua esquerda. Este bar é decorado com motivos de cinema. Está aberto até às quatro da manhã e tem mais mesas que os outros (e uma grande oferta de tostas). Mas não há pista de dança.
Etiquetas: Bica, Fernando Farinha
Etiquetas: Bairro antigo, Bica, Lisboa Antiga
Só recentemente terminei a leitura de um estudo da antropóloga Graça Dias Cordeiro chamado "Um Lugar na Cidade: Quotidiano, Memória e Representação no Bairro da Bica", que foi publicado pela Editora D. Quixote. Apesar de ter sido publicado em 1997 este estudo mostra uma visão bastante actual do bairro, assim como relata um pouco da sua história e episódios que eu desconhecia. Entre histórias bastante interessantes, uma das coisas que a autora conseguiu identificar em pleno foi a divisão da Bica em 3 partes, nomeadamente a Bica de Cima, a Bica de baixo e a Bica do lado de lá do Elevador. Isto para quem vem de fora não é muito perceptível, mas para quem mora no Bairro, e por mais que tenha amizades espalhadas por este, sabe que ele é dividido assim.
As três partes do Bairro dividem-se de acordo com as 3 colectividades existentes. O Vai-Tu (Bica de cima), o Marítimo (Bica de baixo) e o Zip-Zip (Bica do lado de lá do elevador) formam uma espécie de núcleo de cada parte e cada um deles alberga as suas próprias gentes, gentes essas que seja pela localização das suas casas ou pela identificação que têm pelos respectivos clubes, vão ganhando raízes e criando pequenas rivalidades com as pessoas dos outros núcleos, o que faz com que a Bica pareça uma pequena povoação dividida em 3 aldeias...
Em relação à minha pessoa, sempre me dei bem em qualquer uma das "aldeias", apesar de na bica do lado de lá do elevador (ou no lado do Zip) por vezes me sentir quase como um turista. São coisas que já vêem de criança, e tendo eu vivido na Bica de cima desde que nasci, e ter sido também criado na de Baixo com os meus avós, não consigo ganhar muita identificação com o lado sudoeste da Bica. Ainda me lembro dos "duelos" que fazíamos em pequenos com o pessoal do Zip para ver quem era o grupo que "dominava" o bairro, quase sempre de uma maneira saudável (tirando a altura do Carnaval que era sempre mais complicada).
Nunca consegui perceber até hoje de que parte da Bica sou... acho que sempre me dividi entre a de cima e a de baixo em algumas fases da minha vida. Ainda hoje isso por vezes pode acontecer, mas em criança as coisas são sempre mais radicais... não há meios-termos. Por isso em criança tinha na consciência que pertencia ao grupo da Bica de cima...
De tantos amigos que tinha e alguns que ainda continuam a ser recordo-me do Piranha, do Hugo da Celeste, do João "Gordo" e o David, o Sérgio e do Nuno "GNR", entre outros.. Cada um com o seu feitio, mas quando a gente se juntava todos o "arraial" estava logo montado, fosse nas andanças pelo bairro em busca de novas aventuras, nos namoricos com as miúdas ou mesmo até nas partidas de futebol que organizávamos... e estas eram tão intensas e disputadas que por vezes até os rapazes mais velhos que costumavam parar na esquina, como o Zé Paulo, o Sapo ou o Espanhol, se juntavam a nós a maior parte das vezes só para mostrarem que a idade era um posto... por vezes o tiro saía-lhes pela culatra.
Passei tanta coisa com este grupo que hoje em dia se pudesse escolher a infância que quisesse, e apesar das dificuldades económicas que se viviam naquela altura, escolhia exactamente a mesma que tive. Uma infância simples, sem DVD's, Playstation's, internet's, etc.. os nossos dias, principalmente no Verão, resumiam-se a ver os desenhos animados que passavam nos 2 canais de Tv e passar o resto do tempo a brincar uns com os outros pelas ruas do bairro... as corridas de carros de rolamentos na linha do elevador (que tantas mazelas causava), os futebois, as escondidas, ou até os filmes ainda de fita que o Vai-Tu passava aos fins de semana para miúdos e graúdos... havia sempre alguma coisa para fazer, muitas vezes até horas tardias e quando chegávamos a casa pagávamos quase sempre o preço de mais um remate à baliza ou de mais uma descida com uma tábua de sabão com umas valentes palmadas... não fazia mal, doía um bocado mas no dia seguinte fazia-se tudo de novo.
Em breve publico a Parte II..